Contra a cronologia: os três tempos de Amor Quântico
Primeiro um deserto, uma mulher grávida num deserto. Depois uma casa e na casa a mulher, um bebé e um homem. A seguir, uma cabine telefónica num terreno queimado: um acidente, um carro destruído a fumegar, a mulher na cabine. Mais tarde, a casa já não é casa. Por fim, o céu, as nuvens, o sol que queima a película, que clareia a imagem até à sua desaparição. Do deserto ao sol há distância e há tempo, ambos unidos pela palavra dita ao telefone. Tudo passou, algo aconteceu (terá passado? terá acontecido?). Amor Quântico existe sob o triplo signo do tempo: o cinematográfico, o fotográfico e o poético. À medida que nos afastamos no filme e do filme — e ainda que os elementos mudem de forma (a casa já não é casa, o fotograma é agora polaroid, a palavra representada é um poema escrito) — continuaremos sempre a falar de sobrevivência e de possibilidade, de ciclos que se repetem tão misteriosamente pelo tempo que já perdemos a lembrança de onde começam e acabam. E que podem, por isso mesmo, acontecer ao mesmo tempo, em tempo incerto. Os tempos de Amor Quântico desafiam a cronologia e a certeza: à sua maneira, cada tempo é o que já foi e o que ainda não é. Talvez por isso Amor Quântico nos demonstre a esperança, a esperança que se consome no presente como um terreno queimado, que existe apenas num tempo, o futuro, o futuro que nunca chega mas que está lá, como um poema que desaparece depois da página virada ou da palavra dita e que ao ser passado se vai chamar de nostalgia. É nesse intervalo que habita o mistério, a força indizível do que resta. E o que resta é quase sempre uma pergunta. |