Não fosse o facto de apenas possuir três incisivos inferiores, poder-se-ia dizer que os hirsutos cabelos grisalhos eram a mais forte imagem do Senhor Maurice Planquet. Assim nos diz uma gravura sua feita, a ponta seca, por Ernesta Legnani Bisi, em Milão, no ano de 1842.
Nascido em Brugge, em 1791, Maurice Planquet dividiu a sua vida entre Leuven, onde estudou letras, e Trento, onde viveu até à velhice. Em 1834, Planquet empreendeu uma grande viagem pelo mundo: atravessou a Europa e embarcou para a América do Sul, viajando até à Patagónia. O périplo durou dois anos inteiros. Faltam-me as palavras, expressão que dá origem à criação de Planquet, terá sido utilizada pela primeira vez nos seus diários de viagem. Se na parte europeia do percurso a sua utilização é esparsa, já o mesmo se não pode dizer do seu uso na Patagónia. Aqui, a detalhada descrição das paisagens é gradualmente substituída por faltam-me as palavras, seguida de para descrever, acrescida de complemento circunstancial de lugar. Será, por certo, imediatista concluir que a contenção de Planquet obedece a critérios de insuficiência lexical ou de frémito melodramático: o domínio de um vocabulário vastíssimo e a minúcia na descrição - visíveis na monografia que escreveu sobre advérbios na língua francesa – eram marca de Planquet. De regresso à Europa, Maurice Planquet passa das palavras aos actos. No espaço de um ano deixa, praticamente, de falar. A sua comunicação oral reduz-se ao mínimo. Vive os dias entre passeios pelas Dolomites e sessões de intenso estudo. Dois anos depois, imprime na Tipografia Monauni, em Trento, um panfleto que diz apenas parabolese, s. f., acto ou efeito de ficar sem palavras, incapacidade de se exprimir por palavras. Na biblioteca de seu pai, Maurice Planquet Jr. encontrou um pequeno ensaio sobre a parabolese. Quarenta páginas de densa investigação explicam a gestação de uma palavra que define um fenómeno que assolou o seu criador. A contemplação de um ideário de belo, causa maior da parabolese de Planquet, tornou-se ponto de partida para a obra do novo Planquet. Traité sur l’ Observation Paresseuse du Paysage – Tratado sobre a Observação Preguiçosa da Paisagem-, foi escrito entre 1860 e 1864 e impresso em Lyon, na Imprimerie Boursy. É neste compêndio da arte de observar que Maurice Planquet Jr. introduz a figura do banco de paisagem, definindo-a, desenhando-lhe a forma e especificando-lhe a localização ideal. O Tratado começa por explanar o conceito e uso do banco. Diz, por exemplo, que este jamais deve estar alinhado com o centro da paisagem observada, de modo a que a vista não se detenha num só ponto, antes passeie dolentemente pelo campo de visão. Mais adiante, escreve que sob pena de desvirtuar o sentido da contemplação, transformando-a em descanso, o banco não deve ser demasiado confortável, permitindo não mais que uma permanência de vinte minutos. Segue-se uma segunda parte, mais volumosa, em que Planquet Jr. descreve ao pormenor as paisagens tal como vistas a partir de locais onde colocou os seus bancos de ver. A invenção de Planquet Jr. ficou associada aos primórdios do naturalismo. No início do século vinte, contudo, a ideia do banco de paisagem caiu no esquecimento. À excepção das ilhas britânicas - ainda hoje, com maior ou menor derivação de sentido, os bancos subsistem - em mais nenhum lugar se cultiva o gosto pelo banco de paisagem. Actualmente, apenas quatro bancos originais resistem à passagem do tempo. Um, na ilha de St Mary, arquipélago das Scilly, Inglaterra, na colina de Garrison. Outro na Escócia, no distrito de Inverness, com vista para o Castelo de Urquhart. Um terceiro na Argentina, alinhado com o glaciar Perito Moreno. Um último banco encontra-se nas margens do Lago Misurina, nas Dolomites italianas. Financiado pela Société de Géographie de Paris, Maurice Planquet IV, neto de Maurice Planquet Jr, percorreu o roteiro de paisagens desenhado pelo seu avô. O objectivo era fotografar cada paisagem descrita no Tratado. No final de quatro anos de viagem, Planquet IV não fotografou uma única. Ainda assim, apresentou trezentos e oito clichés de bancos de paisagem espalhados pelo mundo. in jornal oficina do cego, nº1, jun 2010 |